Abstract
Esta pesquisa se insere no âmbito dos estudos que investigam a interface entre morfologia e sintaxe, tomando como objeto empírico o fenômeno de nominalização das formas infinitivas no português brasileiro, doravante PB, como em cantar – o cantar. De maneira geral, a nominalização infinitiva está inserida no escopo do fenômeno de formação de palavras conhecido como Conversão Morfológica, definido como o emprego de uma mesma forma linguística em diferentes contextos categoriais sem que ocorra nenhuma alteração morfológica (KEHDI, 1981; CUNHA e CINTRA, 1985; DON, 1993; BAUER e VARELA, 2005). Ao rediscutir as fragilidades das propostas lexicalistas (BASÍLIO, 1982; FLORES, 2013; LIEBER, 2005; VILLALVA, 2013) para o fenômeno da Conversão Morfológica, propomos que a existência de um fenômeno linguístico dessa natureza é, na verdade, uma forte evidência de que a categoria pode ser mais bem compreendida como resultado da organização dos morfemas no interior da palavra e do ambiente sintático propriamente dito em que essa formação se encontra (cf. SOUZA e ARMELIN, 2018). Nesse sentido, assumimos como viés teórico uma perspectiva sintática de formação de palavras, tal como a desenvolvida nos moldes da Morfologia Distribuída, (HALLE e MARANTZ 1993; MARANTZ, 1997 e muitos trabalhos subsequentes), doravante MD, que propõe que palavras, sintagmas e sentenças são construídos no mesmo componente da gramática, a sintaxe. As assunções propostas no âmbito da MD se mostram apropriadas para a análise dos infinitivos nominais, uma vez que as tradicionais categorias lexicais, tais como verbo e nome, por exemplo, não têm estatuto de primitivo dentro do modelo, sendo meramente consequência das relações estruturais que se estabelecem em torno de uma raiz acategorial. Assim, a partir do viés teórico da MD, propomos, neste trabalho, que as propriedades do infinitivo nominal do PB podem ser explicadas através da combinação dos diferentes núcleos funcionais presentes na sua estrutura sintática. A questão de base desta pesquisa é, então, especificar quais são esses núcleos e em que sequência hierárquica eles são organizados na sintaxe. Para tanto, descrevemos as propriedades empíricas dos infinitivos nominais do PB e propomos que eles funcionam como os Nominais de Evento Complexo (Complex Event Nominals), na tipologia de Grimshaw (1990). A partir desse comportamento, argumentamos em favor da existência de três núcleos de natureza verbal na constituição do infinitivo nominal do PB, a saber, (i) o categorizador v, responsável pela categoria verbal da base, pela leitura de evento e pela introdução do argumento interno; (ii) o núcleo Voice (KRATZER, 1996), responsável pela introdução do argumento externo e (iii) o núcleo de Aspecto, que abriga a morfologia de infinitivo. Essa sequência funcional, no entanto, está abaixo de núcleos de natureza nominal, a saber, o categorizador n e o núcleo D, responsáveis pelas propriedades nominais da formação. Essa estrutura sintática é capaz de abarcar as propriedades empíricas do infinitivo nominal, revelando uma forte interação entre morfologia e sintaxe, uma vez que os argumentos presentes na estrutura são inseridos antes mesmo que a forma nominal esteja efetivamente formada na sintaxe. Por fim, se essa análise estiver no caminho correto, então, os infinitivos nominais do PB constituem uma importante evidência (contra GRIMSHAW, 1990; ALEXIADOU, 2001) de que nominalizações zero podem ter estrutura argumental obrigatória.