Abstract
Em A sonata a Kreutzer, de Tolstói, o esposo assassino revisa seu crime em fala compulsiva. Em Dom Casmurro, narrativa contemporânea à quela, Bento Santiago tenta “atar as duas pontas da vida” enquanto rememora o caminho que levou a um “assassinato” social da esposa desterrada. Neste artigo procurei me debruçar sobre a revisitação dessas experiências traumáticas por seus perpetuadores à luz, especialmente, de Shoshana Felman, que analisa julgamentos reais e literários de feminicídios íntimos afastados e recentes; do convite de Roberto Schwarz à desconfiança pelo leitor machadiano; e das teorizações de Sigmund Freud, Lacan e Ricoeur sobre trauma e memória. Tudo isso à sombra, é claro, do entendimento do contexto de uma incipiente emancipação feminina na sociedade burguesa do final do século XIX cujo julgamento favorável a O. J. Simpson prova uma insatisfatoriamente lenta evolução.