Traços de história de vida e o efeito do querido inimigo em João-de-barro (Furnariidae: Furnarius rufus)

Abstract
Os efeitos do querido inimigo e do vizinho desagradável são antagônicos e subjacentes à discriminação vizinho-estranho, sendo responsáveis pela redução de custos territoriais e pouco investigados em espécies de canto inato, como Suboscines. Enquanto o território contém recursos monopolizados, a área de vida retém recursos compartilhados. Além de variarem temporalmente em tamanho em função de fatores abióticos e bióticos, o uso destas regiões afeta os padrões de dispersão dos indivíduos. Por dispersão, entende-se a movimentação entre paisagens que é conduzida por jovens com a chegada da maturidade sexual ou de adultos com a chegada da estação reprodutiva. Neste estudo, desenvolvemos um protocolo de captura de aves territoriais de vida urbana usando rede-de-neblina e emissão de playbacks e que nos permitiu investigar experimentalmente a capacidade de discriminação vizinho-estranho no Joãode-barro (Furnariidae: Furnarius rufus), espécie Suboscine com alta fidelidade de território e que ambos os sexos cooperam à defesa do território contra competidores vizinhos e estranhos. Em adição, estimamos a área de vida e o território de casais da espécie em áreas urbanas e rural ao longo das estações reprodutiva e não-reprodutiva, descrevendo a duração das alianças, a dispersão tardia de jovens e de divórcio entre adultos. Nossos resultados mostraram que os casais de João-de-barro foram mais tolerantes a interações territoriais simuladas com dueto de vizinhos, não havendo diferença entre os sexos na resposta agressiva. Além disso, a agressividade dos proprietários contra vizinhos em relação a estranhos independeu da fenologia reprodutiva, ainda que tenha sido mais intensa para ambos os competidores no período reprodutivo e contra invasões simuladas do território. A densidade de vizinhos pouco influenciou na agressão dos proprietários, porém observamos que a agressividade aumentou quando a simulação ocorreu próximo ao indivíduo e em territórios cujos 13 limites territoriais vizinhos eram mais distantes. Observamos, ainda, que uma população urbana e uma rural da espécie apresentaram áreas de vida maiores no período reprodutivo, especialmente em ambiente urbano. Os territórios monitorados permaneceram estáveis ao longo do ano em uma das populações urbanas e foram maiores no período não-reprodutivo em outra população urbana, sendo o seu tamanho variável entre essas populações urbanas ao longo da fenologia reprodutiva. Três eventos de dispersão tardia foram registrados no período reprodutivo e 26 divórcios ao longo das estações. As chances de divórcio foram semelhantes entre os sexos, mas fêmeas foram mais substituídas na estação reprodutiva e machos na não-reprodutiva. No geral, nossos resultados sugerem que o João-de-barro é capaz de discriminar duetos com base na familiaridade com os indivíduos que os produzem, sendo casais estranhos mais ameaçadores que vizinhos ao longo de todo o ano. Além disso, os resultados evidenciam que as populações rural e urbana utilizam o habitat de forma distinta, como uma possível consequência da oferta local de recursos. A dispersão natal foi menor na área urbana comparada aos valores conhecidos na literatura. Além disso, as diferenças nos comportamentos de divórcio observados para fêmeas e machos sugerem estratégias sexuais distintas. Ainda que limitados a poucas populações habitantes de áreas muito distintas, esta dissertação preenche lacunas importantes sobre a história natural de Joãode-barro e fomenta questões distais possíveis de serem exploradas em estudos futuros.